O segundo álbum marcante de Fiona Apple, When the Pawn..., completa 20 anos neste fim de semana. Para celebrar, vamos publicar este ensaio, que revisita o álbum.
É fevereiro de 1998, e Fiona Apple está sentada em seu ônibus de turnê, uma cópia da SPIN na mão, olhos marejados. Apenas alguns meses antes, a revista estampou seu rosto cheio de lábios na capa de sua "Edição para Meninas". A matéria interna mostrava Apple se encolhendo em um sofá e se cobrindo com almofadas, como se estivesse tentando desaparecer para dentro do móvel, sua tentativa de escapar do fotógrafo agora evitado, mas antes celebrado, Terry Richardson. Quando se tratou da matéria de capa, outro homem estava atrás da lente. O escritor John Weir a retratou como uma adolescente indulgente que trocou sua miséria por uma "pitada de fama".
A matéria misógina retratou Apple como uma garota dramática e autocentrada, tentando chamar atenção, mas seu álbum de estreia, Tidal, lançado dois anos antes em 1996, contava uma história diferente… se você estivesse disposto a ouvir. Ele estava impregnado na dor de traumas da infância, que Apple transformou em força. Ela reivindicou a parte de si que foi roubada por seu estuprador e expôs as profundezas de sua alma com melodias de piano complicadas e uma voz inabalável. Tidal a fez falar o que pensava quando antes estava silenciada. Ela era destemida, mas confusa, reunindo todas as emoções caóticas de uma jovem de 19 anos e transformando-as em algo profundamente poético.
Chorando no ônibus, Apple leu as cartas para o editor da SPIN em resposta à matéria. Ela leu enquanto suas experiências de vida e a arte que se seguiram eram golpeadas em um humilhante constrangimento público. "Ser uma vítima de estupro é um trauma que eu não desejaria nem para o meu pior inimigo, mas o melodrama exagerado de Fiona Apple e seu egoísmo tornam difícil sentir qualquer tipo de simpatia por ela", escreveu um leitor. "Estou tão cansado de rainhas do drama desfilando suas mágoas sob os holofotes públicos, como se ser uma vítima fosse uma declaração de moda tendência. Fiona é uma vergonha para outros sobreviventes de abuso sexual." Outra carta sugeriu que ela acabasse com a própria vida, citando a previsão de Fiona sobre sua própria morte e acrescentando: "Promessas, promessas."
Foi então que Apple pegou uma caneta e escreveu o título de seu próximo álbum.
Quando o Peão Ataca os Conflitos Ele Pensa como um Rei O que Sabe Lança os Golpes Quando Vai para a Luta e Ele Vai Ganhar a Coisa Toda Antes de Entrar no Ringue Não Há Corpo para Bater Quando Sua Mente é Sua Força, então Quando Você Vai Sozinho, Você Segura Sua Própria Mão e Lembre-se que a Profundidade é a Maior das Alturas e Se Você Sabe Onde Está, Então Sabe Onde Aterrisar e Se Cair, Não Importa, Porque Você Saberá que Está Certo
O poema de 90 palavras, que mais tarde foi rabiscado na capa de seu segundo LP, a fez alçar voo como uma águia. "Você saberá que está certo", ela escreveu como uma afirmação para si mesma. É possível imaginar Apple rosnando essa última parte do poema para uma plateia de críticos inquietos e tolos. De certa forma, isso é exatamente o que Apple fez em When the Pawn.
Lançado em 1999, When the Pawn permitiu que Apple fizesse uma recontagem reflexiva de coisas que ela não controlava muito durante o ciclo do seu primeiro álbum — como sua agora infame estreia no videoclipe de “Criminal”, onde se movia relutantemente de roupas íntimas a pedido do diretor, ou a reação negativa quando as pessoas entenderam mal seu discurso "Este mundo é uma merda" no VMA de 1997. Nesse discurso, ela pregou: "Vá consigo mesmo", mas não foi a ideia de que os espectadores deveriam ser eles mesmos que foi monumental. Foi que Apple teve a audácia de denegrir o mundo do consumismo e idolatria de celebridades durante o próprio programa em que essas coisas culminaram. A partir daquele momento, Apple passou a ser vista como um pouco desequilibrada. As palavras "Este mundo é uma merda" embora horrivelmente verdadeiras, foram a tempestade na parada metafórica. When the Pawn reclamou sua narrativa.
“Suponho que há uma parte de mim agora que meio que quer sair e fazer tudo de novo apenas para apagar tudo o que aconteceu antes”, disse ela em uma entrevista promocional de 1999 para o álbum.
Enquanto Tidal nos apresentou a Apple, a menina estranha e taciturna, When the Pawn a fez responder com uma vingança ardente. Por cima das luxuosas orquestrações do produtor Jon Brion, Apple canta com um timbre rouco e vigoroso. Ela começa a maioria das músicas com uma doçura enganadora, crescendo até um clímax angustiado, empunhando sua voz como uma arma contra ex-namorados e valentões. No ponto mais raivoso do álbum, ela canta diretamente para pessoas como Richardson ou Weir ou todas as pessoas que censuraram sua sexualidade, mas exigiam ser seduzidas por ela. "Então me chame de 'louca' / Me segure firme / Me faça chorar / Sai agora, querido", ela rosnou. "Não demorará muito até você ficar caído em suas próprias mãos." Ela inverteu o olhar envergonhado dos críticos, trocando suas inseguranças pela sua resiliência.
A crítica da Rolling Stone sobre When the Pawn afirmava que a maioria dos amantes da música “torcia para que ela destruísse tudo com um humilhante colapso no segundo álbum.” Mas Apple estava ciente de que as pessoas a achavam louca, referindo-se aparentemente a seu incidente no VMA com “To Your Love”. “Aqui está outro discurso que você gostaria que eu engolisse”, Fiona explode na segunda faixa de When the Pawn, que começa com timpani e piano implacáveis. “Outra dica para você dobrar suas orelhas / Outro caminho de pensamento difícil de seguir / Avançando para uma canção que pertence à mudança de marchas.”
Ela também menciona a reação dupla em relação ao videoclipe de “Criminal”. Enquanto o clipe dirigido por Mark Romanek a retratava "parecendo uma modelo da Calvin Klein subnutrida", a The New Yorker escreveu que ele também ganhou um VMA (a própria canção ganhou o Grammy de Melhor Vocal Rock Feminino). Mas quando Apple expressou seu desgosto com o clipe, as pessoas apenas a viam como uma hipócrita ingrata. Estava claro que queriam que ela fosse sexy, mas não muito sexy. Em “Limp”, ela resume todo esse paradoxo em uma linha: “Você acaricia meu gatilho, então culpa minha arma.”
As letras de Apple em When the Pawn são inegavelmente direcionadas a todos os seus alvos, enquanto ela seguiu o conselho dela mesmo no VMA e foi consigo mesma. “Vai se danar”, ela ruge em “Get Gone”. “Porque eu já fiz o que pude por você / E eu sei o que é bom para mim.” Ela cospe essa última linha, canalizando aquele tipo de raiva que vem do seu estômago e pinta seu rosto de vermelho.
Claro, ela não tinha tudo resolvido na era de When the Pawn. Sim, Apple ostenta sua confiança por todo o álbum, mas ainda há momentos em que o amor a domina. No entanto, esses momentos sempre trazem um toque de empoderamento. “Sou sua garota? Ou devo sair da cidade?” ela pergunta em “To Your Love.” Na faixa final, encontramos Apple guardando sua dor mais uma vez. “I Know” a mostra ciente dos pecados de seu parceiro, mas em vez de ir embora, ela se oferece como um recipiente para guardar seus segredos. À medida que ele se alivia com o peso de suas transgressões, ela se torna mais pesada. Mas “I Know” coloca Apple em um estado mais poderoso, onisciente. Mesmo que ele tenha desafiado sua lealdade, sua promessa de ficar faz com que ele se sinta mais culpado do que nunca. Mais uma vez, embora ela possa não saber disso no momento, ela está no controle. Como diz o título do álbum, “Quando o peão ataca os conflitos, [e]la pensa como um rei…”
Curiosamente, a Rolling Stone não entendeu o ponto do título de 90 palavras do álbum. Eles achavam estranho por ser estranho. Rob Sheffield escreveu: "Leia em voz alta e perceba que não faz a menor das ideias, não importa como você corte." Se ao menos soubessem.
Por trás do poema escrito na capa de seu segundo álbum, há uma foto de Apple exibindo um sorriso alegre, banhada em luz vermelha. Diferente do retrato borrado e com tons frios em Tidal, a foto de When the Pawn está nitidamente em foco. É quente. Apesar de ter crescido com a mídia julgadora de olho, ela brilha. Ela sorri porque está no controle, mesmo que deixe outras pessoas pensar que estão. É quase como se estivesse rindo de uma piada interna consigo mesma, deixando aquelas lágrimas do ônibus de turnê para trás e rindo das tentativas fracas dos outros de se sentirem melhor enquanto a derrubam.
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