[caption id="attachment_310" align="alignnone" width="750"] Lemi com seu mural no Detroit Music Hall[/caption]
VMP: Lemi, você teve uma carreira incrível e trabalhou em tantos projetos diferentes e com tantos artistas ao longo dos últimos 40 anos. Como tudo isso começou? Como você entrou nessa?
Lemi: Eu uso uma palavra toda vez, Tyler, eu chamo de predestinação. Eu acredito no destino. Acredito que somos feitos, que chegamos ao mundo com um propósito. Acredito que é meu destino fazer arte para álbuns. Estava na escola e meu pai queria que eu fosse engenheiro mecânico. Naquela época eu estava em uma escola técnica, ou o que você chama de ensino médio, mas o tempo todo eu estava desenhando e isso me metia em encrenca. *risos* Me formei em 1973, faz 43 anos, e continuei trabalhando e desenhando por conta própria. Nunca tive formação em arte, apenas aprendi indo a exposições de arte e indo à estação de televisão para fazer desenhos e retratos ao vivo dos apresentadores de TV de lá.
Durante tudo isso, aconteceram duas coisas: eu estava fazendo retratos e alguém veio e me pediu se eu poderia fazer um cartaz para um bar local, então, é claro que eu fiz o cartaz, e ele emoldurou e colocou no bar para os clientes verem. Então, um dia, havia um jornalista que estava na cidade vindo de Lagos que falou com o dono do bar dizendo que estava tão bem feito que queria conhecer o artista. Quando ele me conheceu, pediu para ver meu portfólio. Deixe-me voltar um pouco, porque antes disso, Fela lançou um álbum chamado Roforofo Fight - The Music of Fela, que traduzido em inglês significa "Uma Luta na Lama" ou "Uma Luta no Pântano", e quando vi a capa do álbum decidi fazer minha própria versão dela, só para praticar, influenciada pelo cartaz de Enter The Dragon com Bruce Lee, John Saxton e Jim Kelly. Como eu fiz para Super Ape, minha própria versão daquela capa para você, assim também fiz uma para o álbum do Fela só para mim.
Então, quando o jornalista olhou meu portfólio e viu a capa que eu desenhei do Fela, ele perguntou se eu poderia fazer capas de álbuns. Eu disse que sim, mas que não tinha feito muitas. Fiz uma para a banda do meu tio que nunca foi lançada e uma para um artista local, e aquela foi a primeira capa minha a ser publicada, mas ele não era um grande artista. Então, o jornalista me disse que ia contar ao Fela sobre mim e trazer um retrato do Fela para eu fazer minha própria versão como um teste, e, na verdade, Tyler, eu não acreditei nele *risos*. Eu pensei que ele estava bêbado. Ele estava vindo do bar e achei que ele estava chapado ou bêbado, mas no dia seguinte ele trouxe a foto e após 4 horas eu terminei minha versão do retrato e quando ele viu disse "Lemi, vamos ver o Fela" e, você sabe, eu pensei que era uma brincadeira. Eu disse à minha mãe que ia conhecer o Fela e ela me disse "Lemi, cuidado", porque o Fela era notório. Você sabe como o Snoop Dogg é notório nos EUA? *risos* Assim era o Fela também.
Então eu fui com o jornalista e conheci o Fela e quando ele viu o retrato disse duas palavras para mim, ele disse "Uau! Que droga!" *risos* Então esse foi o começo, em 1974, e foi nesse ano que fiz minha primeira capa para o Fela. Imediatamente me tornei uma estrela como artista visual na Nigéria a partir daquela primeira capa, e depois fiquei muito próximo do Fela e eu disse a ele que deveria ir estudar engenharia mecânica e ele me disse "Por que você deveria ser um engenheiro mecânico? Você é um artista! Esse é seu destino!" Eu estava um pouco cético, mas minha mãe disse "Sim, isso é verdade, você é um artista," e assim, eu fui e comecei a fazer capas de álbuns para o Fela. Desde então, fiz mais de 2000 capas de álbuns ao longo da minha carreira, com muitos artistas diferentes, mas nenhum maior do que o Fela. Fela teve 52 álbuns, e eu desenhei cerca da metade das capas. Então, sim, esse é meu destino.
[caption id="attachment_307" align="alignnone" width="750"] Lemi exibindo sua arte em 1974[/caption]
VMP: Incrível. Então, você disse que em 1974 foi quando fez a primeira capa para o Fela e então você se tornou a pessoa principal que fazia suas artes naquele mesmo ano. Então você se jogou bem no meio disso, né?
Lemi: Sim, sim, sim, sim. Fela e eu, éramos muito semelhantes ideologicamente, e ele me deu livros para ler sobre a história africana e todas essas coisas diferentes, e isso me deu uma vantagem sobre os outros artistas com quem ele trabalhava naquele momento. Então me aproximei muito dele, me tornei como um filho, e um de seus amigos mais próximos, e um dos seus conselheiros, e passei a entender as razões pelas quais ele estava fazendo toda essa música. Quando eu trabalhava em uma capa para ele, ele nunca me dava conceitos ou direção, eu apenas ouvia a música e acertava em cheio toda vez. Nós nos comunicávamos muito claramente, e assim foi como tudo isso aconteceu.
[caption id="attachment_309" align="alignnone" width="586"] Lemi passando um tempo com Fela Kuti[/caption]
VMP: Uau. Então, eu sei que o processo criativo pode ser um pouco um mistério até mesmo para as pessoas que estão interagindo com ele, mas para você especificamente, qual era o processo para fazer suas capas.
Lemi: Sim, bom, eu ouvia a música muitas e muitas vezes e era isso que me dava ideias. Para o Fela, porque fiquei tão envolvido na luta política pela liberdade do povo africano com ele, e porque o Fela era muito político e muito politicizado, isso também foi uma grande influência nesses casos. Eu era membro dos Jovens Pioneiros Africanos, que era o grupo político relacionado ao complexo de Fela, Kalakuta, sua própria República que ele tentou criar dentro da Nigéria *risos* ele era maluco, homem, eram tempos loucos, ele era muito radical e foi a júri mais de 200 vezes e eu estava muito próximo de tudo isso.
Então, uma vez, em 1976, o Fela me pediu para ir com ele visitar sua família porque eles não podiam viver no mesmo lugar que ele, e enquanto estávamos lá, saiu no noticiário sobre um tiroteio de estudantes em Soweto, que fica no sudoeste da África do Sul, e o governo do Apartheid queria que todos aprendesse a língua holandesa, o afrikaans, e os estudantes se recusaram e depois que a polícia tentou forçá-los a aprender, sem sucesso, alguns estudantes foram mortos. Então isso esteve em todos os noticiários naquela semana e depois disso o Fela criou uma música chamada "Sorrow Tears and Blood", e eu fiz parte de todo esse processo com ele. Eu sabia exatamente sobre o que ele estava falando naquela música, e quando ele veio até mim para a arte do álbum eu sabia exatamente o que fazer.
Em geral, entretanto, com outros artistas, eu ouvia a música repetidamente, tantas vezes, e decidia qual aspecto dela queria retratar na capa, e era isso que eu fazia. Para Fela era mais fácil, mas para outros artistas era isso que eu fazia. Então, nos EUA há um grupo chamado Antibalas para o qual fiz uma capa e aquela foi difícil porque nunca os conheci e então pedi que me enviassem uma mixagem raw da música e eu continuei ouvindo e tentando captar as vibrações do que estava ouvindo e às vezes eles me enviavam um e-mail e diziam "Lemi, você já está pronto?" e eu disse "Não não não, ainda não estou pronto!" e levou 2 meses, e quando finalmente enviei eles aceitaram na hora.
VMP: *risos* Então quais são algumas das coisas que te motivam ou inspiram criativamente?
Lemi: Eu me inspiro na movimentação das pessoas, e no que está acontecendo no mundo, e no processo de relações humanas e das maneiras como nos comportamos como seres humanos. Tipo, quando o Severan me enviou Super Ape, sabe, eu tinha o álbum em 1976 porque era um álbum enorme, mas já fazia tempo e quando o coloquei para tocar pela primeira vez eu me conectei com ele imediatamente. Eu estava dançando, estava dançando *risos* então eu o tocava a semana toda no carro em que eu estava.
VMP: *risos* Eu também, esse disco é muito bom. Olhando para trás nos últimos 40 anos ou mais, quais são alguns dos seus momentos favoritos, alguns momentos que se destacam para você quando você pensou “Uau, isso é algo importante na minha vida” ou que você olhou para trás e se sentiu grato por ter feito parte desse momento.
Lemi: *risos* Tantos, Tyler, tantos. Bem, um foi no comecinho quando o Fela viu aquele retrato e disse "Uau! Que droga!" Isso foi, uau, oh uau, isso me toca toda vez, Tyler. Outro foi quando o Fela estava no hospital, depois que a polícia atacou a comuna do Fela e ele foi hospitalizado e muito brutalizado, e o jornalista que me levou ao Fela me ligou e perguntou se eu queria ir vê-lo e eu disse sim, é claro. Havia cerca de 20 pessoas na sala, e o Fela estava muito fora de si, mas quando ele viu o jornalista e o reconheceu como amigo, ele se animou e então me viu e iluminou-se e disse "Oh! O Artista!" e sim, cara, sim, isso ficou na minha cabeça, meu amigo, foi o momento em que escolhi assumir o papel do artista.
Outro momento, você sabe, eu não bebo, eu não fumo, eu não fico com mulheres, mas eu humanizo com elas, você sabe o que quero dizer, Tyler? *risos*. Então, quando chegou a hora de desenhar a segunda capa do álbum para o Fela, ele estava tentando me convencer a fumar maconha porque todo mundo fumava muito disso, e eu disse não, eu não fumo, só quero uma Fanta, e o Fela me disse "Lemi! Um artista não bebe Fanta, você precisa fumar. Você precisa experimentar um pouco de erva." E eu estava intimidado e preocupado porque tenho uma mente leve, mas decidi experimentar um pouco de maconha e fiquei um pouco chapado, eu não estava bem, e o Fela me levou para casa pessoalmente em seu Range Rover e ele me disse "Lemi, não converse com seus pais nem faça perguntas para eles"
VMP: *risos* Então você deve ter estado realmente chapado se o Fela se certificar de que você evitou seus pais.
Lemi: *risos* Sim, e então ele disse "vá para a cama e amanhã trabalhe na arte do álbum" e então fui e disse boa noite para meus pais e sabe o que? Eu acordei às doze horas da tarde do dia seguinte *risos*. Então eu estava talvez 6 horas chapado, estava muito chapado, vi tantas imagens diferentes para minha ilustração que quando acordei peguei meu bloco de notas e escrevi todas as ideias que tive, e estava tentando trabalhar o máximo possível, e assim quando fiz a capa e a mostrei para o Fela ele disse "Uuuuuuuuuaaaau, Lemi, filho da mãe!" *risos*
[caption id="attachment_306" align="alignnone" width="750"] Lemi trabalhando na capa do álbum No Bread (nº 1)[/caption]
[caption id="attachment_305" align="alignnone" width="586"] Lemi trabalhando na capa do álbum No Bread (nº 2)[/caption]
VMP: Ele tentou fazer com que você fumasse maconha novamente?
Lemi: Sim, ele queria que eu continuasse fumando, mas eu disse não porque eu tenho uma mente leve. Mas depois disso comecei a ler os livros de um monge tibetano que escreveu todos esses livros sobre metafísica. Estudei todos esses livros e por causa disso, decidi que poderia usar a meditação para chegar a esse lugar mentalmente, obter o mesmo foco que fumar pode te dar, mas eu não gosto de fumar. Isso me ajudou a focar em terminar o que eu queria fazer. Minhas capas são muito ecléticas, todos os estilos diferentes, colagens, imagens, todo tipo de coisa e isso foi uma grande influência para aperfeiçoar minha técnica.
Depois disso, desenhei cerca de 200 capas para a Phonogram Records, e trabalhei para eles por 11 anos, e trabalhei em muitas reedições, como Bob Marley e etc. Tantos discos clássicos. E também muitos artistas locais. Como profissional, na Nigéria eu era o único que as pessoas queriam para fazer seu trabalho e foi assim por muitos anos. E mesmo agora há tantas pessoas querendo trabalhar comigo e às vezes eu saio e olho para o céu e digo "Fela, onde você está? Venha ver o que está acontecendo!"
[caption id="attachment_308" align="alignnone" width="750"] Lemi trabalhando em capas de álbuns para a Polygram Records[/caption]
VMP: Uau, Lemi, você teve uma vida incrível até agora. Quer dizer, isso é coisa fenomenal. Sei que você está ocupado, então só tenho mais uma pergunta para você. Você passou por muita coisa e aprendeu tanto, estou curioso para saber que conselho você tem para os criativos que leem isso e que também esperam ter uma vida fazendo arte. Dito de outra forma, qual é o conselho de vida do Lemi?
Lemi: O conselho que sempre dou a todos, eu não discrimino, porque acho que todos precisam de bons conselhos, é que a primeira coisa que eu sempre digo é descubra quem você é. Estudando a história africana, encontrei o lema de um dos nossos antigos centros de aprendizado e o lema daquele lugar era "Homem, conheça a ti mesmo". Então, uma vez que você saiba quem você é, siga seu coração, não deixe a sociedade te influenciar, não deixe outras pessoas te influenciar, não deixe nem você mesmo te influenciar. Não deve haver obstáculos. Então, quando você encontrar o que deve fazer, mergulhe completamente no seu trabalho, trabalhe mais duro do que você acha que consegue, não há milagres, só há trabalho. Fela era um workaholic, eu sou um workaholic, e não se trata de dinheiro, mas de se empurrar cada vez mais e criar as melhores coisas que você possivelmente puder. Isso, Tyler, é meu conselho.
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